Quinta-feira, 19 de Abril de 2007
O NORDESTE...DE NOME PRÓPRIO...
Há por vezes factos que se retêm na memória durante muito tempo, apesar dos anos e das vicissitudes que a vida nos apresenta. Todavia, muitas vezes torna-se necessário fazer um certo esforço para nos recordar desta ou daquela personagem que connosco viveu determinados momentos.
Não conseguimos recordar-nos da personagem. ou melhor do seu nome, porém, lembramo-nos que era um engenheiro das Obras Públicas que estava colocado na ´
Área de São Salvador do Congo.
Certo dia, mais precisamente no dia em que chegámos ao aeroporto da capital do distrito do Zaire, e ao desembarcarmos do avião, fomos colhidos por uma notícia que profundamente nos tocou. Tinha sido ferido numa perna com uma rajada de metralhadora dos terroristas o engenheiro das Obras Públicas a que atrás nos referimos.
Quisemos saber pormenores e logo fomos informados de que tinha sido o pelotão a que pertencíamos, que houvera caído numa emboscada que os “turras” tinham montado na estrada que ligava São Salvador a Ambrizete. O resultado dessa emboscada tinha sido o ferimento produzido no civil que necessitando de se deslocar a um acampamento das Obras Públicas naquela estrada, aproveitou a nossa coluna.
Depois tivemos a oportunidade de saber através da boca do comandante de uma secção desse pelotão, o que verdadeiramente se tinha passado.
*
Deviam ser talvez umas quatro horas da manhã quando a coluna se pôs em andamento para escoltar algumas viaturas civis que se dirigiam para o Ambrizete. Como sempre, a paisagem era monótona.
Capim de um lado. Por vezes grandes núcleos de mata. Montes. Riachos. Sobretudo capim seco. Muito capim. Dois morros formando subidas e descidas que as GMC se viam desesperadas para vencer com pouca velocidade, como não podia deixar de ser. Grande esforço dos carros. No pessoal, grande expectativa. Nervos tensos à espera do pior. Contudo, nesse local, era hábito passar-se descontraidamente. Nas calmas, segundo a expressão usada. De certo modo o ambiente nas viaturas era à vontade. De descontracção. De repente, uma rajada de metralhadora. Saltos das viaturas para o chão. Para a valeta. De armas aperradas. Prontas a disparar. Tensas. Armas que conjuntamente com os homens constituem um todo. Um corpo único. As armas são qualquer coisa de que um militar não se separa na mata, ou em operações nem para fazer um dos tais chamados passeios higiénicos. A FN e nessa altura tão querida para um homem como a mãe ou namorada que estão longe. Algumas até chegam a receber os seus nomes.
Nomes em homenagem a esses entes queridos, que, à semelhança de uma mãe, também velam pela vida do soldado.
O Nordeste, perdão, eu vou apresentá-lo:
- O Nordeste era o Furriel Enfermeiro da Bateria. Era tão Nordeste como o próprio nome. Sempre alegre. Sempre com a cabeça no ar. Mas calmo. Muito calmo. Seguro dos seus actos. Das suas acções. Sabendo o que tinha a fazer. O Nordeste, dizia eu, debaixo do fogo cerrado. Já nessa altura bastante cerrado saltou do jipe e dirigiu-se com a bolsa dos medicamentos para o local onde o Engenheiro se encontrava deitando muito sangue do ferimento. Mas sem lamentos. O Nordeste, calmamente, sabendo o que fazia e debaixo de fogo intenso, começou a aplicar os primeiros curativos estancando a hemorragia, com um garrote. Enquanto isto, os restantes homens deitados na valeta ripostavam ao fogo dos “turras”.Há uma secção que avança ao reconhecimento. Há as viaturas deixadas na estrada. Algumas com os motores ainda a trabalharem. Uma com o vidro furado no local do condutor. A viatura da frente. Todavia, o projéctil já não encontrara no local o alvo a que era dirigido. Homens já metidos na mata tentando fazer um reconhecimento. Entretanto o tiroteio que durara escassos minutos tinha acabado. Como sempre o silêncio caiu sobre a terra. Sobre os homens. Sobre a natureza. Até as aves se calarem de comum acordo, respeitando aquele desencadear de fúrias humanas.
 
*
Mais tarde soubemos que esse engenheiro tivera a sua perna salva graças à intervenção pronta e eficiente do Nordeste, de nome próprio, notem.

sinto-me:
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publicado por fercobanco às 20:54
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VEJAM COMO SOU FELIZ...

Salvo erro, porque fui à consulta externa no Hospital Militar, meteram-me na mão uma guia de marcha e, no aeroporto de São Salvador, tomei lugar no Nord Atlas, que me levaria a Luanda.

Aí a expectativa era grande.Imaginem::-Ir rever Luanda.Ir lá passar uns dias.Mesmo que se tratasse de ir ao médico.Nada importava.

Só o ir ver Luanda contava.

Do horizonte surge a gigantesca figura do Nord Atlas.Faz-.se à pista.Uns metros andados, por entre o ensurdecedor barulho dos motores.

A velocidade que abranda.Docemente,para no parque de estacionamento.A poeira levantada pelo "monstro", começa a poisar sobre nos.Todos se sacode.Param os motores.Abrem-se às portas e,detrás, sai a rapaziada.Camaradas que vinham de Luanda para aquela região, regressando às suas unidades, depois de umas férias, ou por qualquer outro motivo, até semelhante ao que me levava a Luanda.

Depois é a tripulação do " cama-couve-do-ar", que abandona a carlinga.Trocam-se  sdaudações.Aqui e ali rodas de militares que conversam.

Para um observador atento,as expressões daqueles que falavam de Luanda diziam tudo.Falavam por si.Deixavam antever as belas manhãs de praia e os passeios nocturnos ou o "fino" da Biker, ou dfo Polo Norte, ou do "rafiné" lanche das cinco na Versailles, ou ainda o esquecimento nos braços de uma mulher.

O quadro tornava-se num aperitivo para os que iam, ou no sabor desesperado do desejo para os que não iam.

Diverso pessoal procedia à descarga do Nord Atlas. Uma carga absolutamente idescritivel saía da "barriga" do avião.Ou eram frescos, ou carnes, ou jornais, ou material de guerra.Um "brique à braque" extraordinário se foi amontoando nas GMC e nos jipões, que ali se encontravam.

Depois era a partida: abraços, recomendações. As portas, que se fechavam, davam origem ao levantar de braços a dizerem adeus. Aqui ou além, uma correcta continência, cumprimentava este ou aquele graduado.Simultâneamente os turbo-reactores são experimentados em conjunto com os motores do Nord. Faz-se à pista.No rosto dos que ficam o intenso desejo de irem.Acelerações fortes definem a partida. A pista corre debaixo de nós. O 2focinho" do avião levanta-se para o ar.Lá em baixo tudo foge para trás.Tudo fica pequeno. Os homens e as casas.As nuvens são agora a meta.Lá dentro um barullho ensurdecedor, misturado com os mais diversos cheiros.No exterior as nuvens sucedem-se.Há que esperar. Lá em baixo vão surgindo povoações, sanzalas abandonadas, pantanos, rios que serpenteiam por entre a planície, morros aqui e além, extensões enormes de mata, extensões enormes de capim, estradas de um castanho-terra descrem curvas e contracurvas.Umas vezes desaparecem na mata, para voltarem a aperecer à frente.Dentro do Nord já se conversa.Fuma-se.Passa-se o lenço pelo rosto limpando o suor.O suor provocado pelo calor.Há quem enjoe.Há até quem vomite.Pergunta-se aos tripulantes:- Oh, amigo!Falta muito?...

Surge lá em baixo uma configuração diferente do terreno. É um terreno cor de cinza.Logo alguém diz:-Estamos sobre o litoral.Daqui a pouco vemods o mar.

E dando razão a quem falou, o mar beija as areias da praia lá ao fundo, as ondas repetem-se, como se dentro  desse enorme "lago" alguém tivesse deixado cair uma gigantesca pedra.Em determinados pontos, conseguimos ver o fundo do oiceano juntà praia.Na linha do horizonte mistura-se o azul do mar com o cinzento esbranquiçado das nuvens, não se distingindo onde acaba o mar e começa o céu.

Por baixo de nós a costa.Sempre a costa, até Luanda.

- Olha ali!

E aponta-se. Todos olham para a referência dada pelo indicador.Lá está o Cacuaco.Depois algumas zonas escarpadas sobre o mar.Por fim surgem os bairros periféricos do aeroporto.Antes, havíamos sobrevoado a Fortaleza, a Baía, a Ilha, a Marginal e os prédios. Os prédios de ferro e cimento. DCepois surge o  no smoking."Não fumar".O furriel mecânico, diz:-Não saiam dos vossos lugares.Lugares de "suma-pau".

Lugares que eram acima das caixas. Lugares em bancos corridos  de lona de um e doutro lado do avião.

Começamos perdendo altitude a caminho da pista. Os ouvidos zunem.A diferença d e presão causa o fenómeno.A pista aproxima-se, negra, de asfalto.Uma louca correria.Paragem junto à splacas da base aérea.Depois as formalidades de desembarque.Formalidades puramente militares.

*

Um táxi que espera...Para onde?...

-Leve-me...

Lá dizemos o local, e aí vamos desfilando pelas ruas da cidade.Primeiro a Avenida do Aeroporto.Depois a Mutamba, loucpomovimento.Atravessamos a <"capital" de Luanda.Bichas de gente à espera do auto carro.E olhamos.Olhamos para o ar.Para ver os prédios altos.E surgem os polícias sinaleiros empertigados na "peanha".Com movimentos enérgicos a dirigirem o trânsito.Ruído de gentr que atravessa as ruas, de automóveis que tyravam, dos ardinas a anunciarem:

- A Provincia dÀngola...Olha o Comércio...Oh patrão sai uma graxa?...

Pensei que reparassem em mim, no meu camuflado.Ninguém vê.Todos olham para dentro.De boca aberta, vejo o perfil de uma mulher bonita.Uma mulher que atravessa a rua.Num passo elegante.Altiva.DE negros cabelos caídos sobre os ombros.Alguém lhe diz um "piropo".Outro alguém ri....

Acordo de repente.Do meu sonho acordado.E dá-me vontade de ngritar, e a todos dizer:

-Vim do Norter.Estou em Luanda.Olhem para mim.Vejam como sou feliz!...


sinto-me:
música: P.I.Tchaikovsky
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publicado por fercobanco às 15:58
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